Quando as crianças são menores nós não nos perguntamos como ajudá-las a tomar posse dos processos de aprendizagem nos quais elas estão envolvidas. Pequenos humanos estão sempre automaticamente engajados em importantes situações de aprendizado (derrubar objetos, fazer sons de arrulho, engatinhar, começar a andar, etc). Além disso, bebês e crianças pequenas são trabalhadores ocupados que não necessitam de muito feedback dos adultos para tornar os momentos mais simples nas experiências de aprendizado mais significativas. Porém, conforme os anos passam e as crianças crescem esse saudável processo de aprendizado se transforma em um esforço cada vez mais sofisticado, de acordo com a compreensão de seus papeis na sociedade, os papeis dos outros, e por fim, desenvolvem suas próprias identidades. Infelizmente, na sociedade moderna, nós estamos vendo mais crianças que perdem a curiosidade dos estágios iniciais e mostram falta de interesse nos momentos de aprendizado. Alguns dos motivos pelos quais isso pode estar acontecendo, e que podem impedir uma criança de desenvolver a autonomia, são:

  • Simplesmente há “coisas demais” para tomar posse: futebol, natação, aulas de música, aulas de arte, clubes de xadrez, competições de matemática, ballet, línguas estrangeiras, etc.

  • Há muito estresse e muito pouco para apreciar as coisas simples que as crianças de outras gerações apreciavam.

  • Muito pouco tempo para “processar tudo”.

  • Os pais fazem um enorme esforço financeiro, físico e emocional para colocar os filhos em tantas atividades extracurriculares e, portanto querem “resultados”. Essa ênfase no resultado torna difícil para todo mundo conseguir apreciar a jornada.

  • Os pais se sentem muito responsáveis/culpados pelo tempo passado longe das crianças (provavelmente isso não era algo com que o Dr. Suzuki tinha que lidar) e portanto eles tomam muita responsabilidade pelas ações das crianças, as deixando com pouco espaço para agir, dizer, ou tomar posse de algo por conta própria.

Questões para ter em mente, e que podem ajudar, quando uma criança passa por estágios de alta dependência:

  • Para quem estamos fazendo isso?

  • Por que estamos fazendo isso? Como estamos fazendo?

  • Como pais, estamos demasiadamente orgulhosos, demasiadamente inseguros, ou demasiadamente constrangidos pelo comportamento de nossos filhos?

  • Compreendemos nosso papel no triângulo Suzuki e participamos somente dentro dele?

  • Oferecemos algum tempo antes de apontarmos coisas que não estão corretas para permitir à criança descobrir por conta própria?

As crianças precisam assumir o comando, então:

  • Deixe a criança carregar, guardar e cuidar do instrumento assim que tiver idade suficiente para fazê-lo.

  • Deixe a criança fazer ao professor quaisquer perguntas que tenha, bem como dar avisos e compartilhar novidades ou coisas que você considera desnecessárias ou bobas.

  • Deixe a criança cometer erros na frente do professor sem quaisquer comentários.

  • Deixe a criança ser responsável por suas próprias ações (se ela foi para a aula despreparada, é papel do professor abordar o assunto).

  • Seja criativo e apresente situações em que é você quem está ajudando, mas parece que quem está ajudando é a criança! (talvez você possa dobrar as roupas enquanto a criança toca, ou cozinhar, de forma que ela possa te ver não apenas como um juiz, mas como uma companhia).

  • Fale menos; converse menos com o professor na frente da criança.

  • Deixe a criança saber que a relação dela com o professor é algo especial, e que você aprecia essa relação desse modo.

  • Permita à criança certa liberdade durante o momento de estudo (deixe-a escolher a próxima música da revisão, se prefere usar o dado ou o sorteio, quais exercícios com o arco vêm primeiro, deixe-a marcar a tabela de estudos, etc).

  • Tente não reclamar de hábitos de estudo, execução do instrumento, comportamento, etc. de outros colegas do grupo ou a criança poderá sentir que você faria o mesmo caso ela não apresente comportamento estelar o tempo todo.

  • Dê uma tarefa relacionada ao estudo que a criança possa fazer bem (colocar o cronômetro, alarme, pegar seja lá quais forem os materiais ou livros ou tabelas de estudo que possa precisar durante a prática do instrumento, etc).

  • Peça à criança para auto avaliar sua própria performance do instrumento.

  • Crie perguntas abertas que façam a criança raciocinar e ter múltiplas ideias.

  • Esteja em sintonia com as emoções da criança, para que você possa mudar a estratégia assim que notar sinais iniciais de falta de engajamento. Não espere até que a apatia seja a norma, é melhor permitir que haja momentos de reconexão e proximidade antes que tanto você quanto a criança estejam ressentidos.

Lembre-se que:

  • Normalmente uma família Suzuki inicia aulas de instrumento quando a criança tem entre 3 e 5 anos de idade. Este é o momento em que, de acordo com os estágios do desenvolvimento da criança de Erikson, a criança está passando pelo 3º estágio, conhecido como “Iniciativa x Culpa”. Iniciativa em excesso da parte dos pais pode fazer com que a criança se sinta suprimida; ênfase demais em coisas que não estão perfeitas pode fazer com que a criança se sinta culpada, incapaz, ou não merecedora do melhor julgamento parental. Tudo isso afeta a autoestima da criança, o que por sua vez pode gerar sentimentos negativos e, eventualmente, apatia.

  • Seu professor Suzuki adoraria ouvir de você! Juntos, vocês podem criar um plano que ajude a todos. De repente, de vez em quando, vocês podem agendar uma reunião ou uma aula sem a presença da criança para conversar sobre o que está acontecendo em casa.

  • Seu papel como pai Suzuki é fundamental no triângulo, mas você nunca deve ter mais tarefas do que o professor ou a criança. Além disso, seu papel enquanto fonte de amor não tem fim e é muito poderoso, mais poderoso do que qualquer outra fonte de conforto e alegria para a criança pequena, então foque nisso e deixe o professor ser o “disciplinador”.

  • Sua calma presença é o suficiente para prover a maioria das coisas que a criança Suzuki necessita na hora de praticar.

  • Tente evitar brigas e confrontos. Crianças podem relacionar esses sentimentos a você, ao professor ou ao próprio instrumento, além do fato de que elas normalmente vencem.

  • Crianças podem simplesmente estar saturadas ou excessivamente estimuladas, e então não necessariamente significa que elas não querem tomar posse de seu aprendizado musical, mas que o estudo Suzuki trás uma “proximidade” com o pai que oferece a oportunidade perfeita para um “desmoronamento” ou uma oportunidade para nos comunicar que eles estão cansados, exaustos, irritados, ou que há algo errado. Determinar essas emoções pode nos permitir ajudar as crianças fora do momento de estudo, ao mesmo tempo em que as preparamos para praticar o instrumento.

  • Esteja disposto para caminhar de mãos dadas com seu filho, com o professor e com “você mesmo”. Não há respostas para tudo, mas cada um irá encontrar suas respostas ao ir por esse incomparável caminho!

Cecilia Calvelo-Hopkins, originalmente da Argentina, é professora Suzuki de violino, professora de SECE, e mãe Suzuki. Ela possui graduação em Educação Musical pela Universidade de Houston e um Mestrado em Música Renascentista pela Universidade Estadual de São Francisco. Ela possui certificação como Professora de Música e Professora de Espanhol no Texas. Hoje ela dá aulas em seu estúdio Suzuki “Clave de Sol” e colabora em várias capacidades da divisão Latino-Americana da SAA e com a Austin Sound Waves, que é um programa de orquestra para crianças desfavorecidas em East Austin. Além de dar aulas, Cecilia ama linguagens e faz traduções regularmente para a SAA, e ela editou a última edição da tradução para espanhol de “Nurtured by Love” de Shinichi Suzuki que foi publicada pela Summy-Birchard em 2004.

Traduzido por Mariana Moritzsohn